A denúncia é o primeiro passo para se quebrar o ciclo da violência

“Alô, quero fazer uma denúncia, eu fui jogada no chão pelo meu marido”, “A minha mãe está apanhando do meu pai”, “Moça, meu marido acabou de me bater. Eu tô toda ensanguentada, eu tô grávida, ele tá me batendo...minha boca, ta saindo sangue pra tudo quanto é lado, moça”...

Esses são alguns trechos de pedidos de socorro registrados pelo Centro Integrado de Operações de Segurança Pública de Mato Grosso (Ciosp), unidade subordinada à Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) e tem articulação direta com os serviços da Polícia Militar, Polícia Judiciária Civil, Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec), Corpo de Bombeiros, Semob de Cuiabá e a Guarda Municipal de Várzea Grande.

O Ciosp concentra as ligações realizadas para o disque 180, que é nacional e específico para atendimento às vítimas mulheres, e os telefones de emergência de abrangência estadual, como o 181, 190 e 197.

De acordo com as autoridades denunciar a violência física ou psicológica é um passo necessário para romper o ciclo em que muitas mulheres se encontram, mas muitas das vezes, o medo fala mais alto e elas se calam.

“Vivemos em uma sociedade com uma cultura de violência e toda transformação exige esforço. Esforço tanto das mulheres que estão cada vez mais tendo coragem de denunciar, quanto o Poder Público: Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Delegacias”, afirma. “Todos querem a diminuição desse tipo de violência e temos a esperança de que no futuro, se Deus quiser, isso acabe”, avalia a juíza Glenda Borges, da Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Várzea Grande.

“O Poder Judiciário de MT vem continuamente trabalhando para que diminua o índice de violência doméstica no nosso Estado. A gente quer que a sociedade melhore nesse aspecto. Até para que a vítima se sinta segura e acolhida, pois embora a gente tenha uma rede de apoio, a Patrulha Maria da Penha, para que a mulher se sinta segura, para ter um panorama para saber o que está sendo cumprindo em relação às medidas protetivas que são medidas efetivas.

Duda*, 34 anos, depois de sofrer muito nas mãos do ex-companheiro deu o primeiro passo para romper o ciclo, e mesmo assim acabou retomando o relacionamento por três vezes, até que foi torturada com uma chave de fenda em 2020 e chegou a ser hospitalizada. Hoje segue traumatizada, faz terapia e só consegue dormir com ajuda de medicamentos. Mesmo assim reafirma a importância de denunciar.

“Sei que estou marcada, no meu bairro todo mundo sabe que eu sou a menina que o namorado batia. Isso é muito difícil”, desabafa. “A gente é julgada muito quando está em um relacionamento abusivo. As pessoas não entendem o quanto e difícil falar sobre isso, dar o primeiro passo”.

Ela conta que conheceu o seu agressor ainda criança, anos depois se reencontraram, começaram a namorar e foram morar juntos. No início, o comportamento dele lhe pareceu algo bobo, um “ciuminho”, como ela diz. “Ele reclamava de algumas brincadeiras de amigos em grupos de whastApp, dizia que todos tinham segundas intenções”, lembra. “Mas depois começou a exigir que eu saísse dos grupos, excluir pessoas das redes sociais até que vieram as ameaças e as agressões”, conta.

Em uma das brigas, o agressor colocou uma arma carregada na cabeça e cortou o cabelo como punição. Ele chegou a ser preso e ela escoltada pela Patrulha Maria da Penha. Recebeu todo atendimento da Rede de Enfrentamento à violência Doméstica, criada em 2019 e abrange o Poder Judiciário, o Executivo Estadual e Municipal de Cuiabá.

Após muita pressão do ex-companheiro, Duda abriu mão das medidas protetivas impostas pelo Judiciário e reatou o relacionamento, pensando que ele ainda era aquele menino que conheceu na infância, mas a violência só piorou. Agora ela vivia trancada em casa, sem mesmo poder ver o filho, fruto de outro relacionamento, que vivia com os pais dela.

Ela planejava fugir dele e viver em outra cidade, mas por ter o celular vasculhado o plano foi descoberto. “Eu já tinha escondido todas as facas por medo dele, mas ele achou uma chave de fenda e me torturou, me perfurou, perdi muito sangue. Ele queria que eu assumisse que tinha traído ele, mas eu não traí”.

Novamente a rede de proteção foi acionada. Ela foi socorrida pela Patrulha Maria da Penha, registou BO e pediu medida protetiva, ele voltou para a cadeia e aguarda o julgamento. “A Patrulha Maria da Penha sempre me acompanhou, eu não tenho o que reclamar deles, sempre foram muito companheiros. O pessoal da Casa de Amparo também, lá dentro eu fui acolhida, bem tratada”, avalia.

“Se eu puder dar um conselho para as mulheres é que não tenham medo de denunciar. Se você quer viver tem que falar, seja com uma prima, com a mãe. Eu escondi por muito tempo, tenho certeza que se eu tivesse falado desde o início não teria chegado aonde chegou. Eu só não estou morta, mas de resto”, reforça.

A responsável técnica da Casa de Amparo de Cuiabá, Fabiana Soares, destaca que na Capital a rede de enfrentamento já está bem definida. “A PM atende a vítima, faz encaminhamento para a Civil ela registra o BO e já pode solicitar as medidas protetivas ao Judiciário. Se for relatado a gravidade do caso, esta mulher será encaminhada para a Casa de Amparo”, descreve.

Na casa, essa mulher tem o acompanhamento psicológico, com a assistente social, se tiver filhos eles ou ela mesma for estudante, eles têm o acompanhamento educacional. “A Lei Maria da Penha favorece que o filho seja transferido para uma escola próxima do local que essa mãe está ficando, e respalda essa mulher na questão trabalhista, garantindo o afastamento de seis meses para que não seja prejudicada”, completa.

A casa também promove o encaminhamento do caso para Defensoria Pública que dará entrado no processo judicial.

Em Cuiabá, existe uma delegacia com plantão de 24h de atendimento de vítimas de violência domestica e sexual. Em todo estado são oito delegacias da mulher instaladas: Além da Capital, Várzea Grande, Tangará da Serra, Sinop, Cáceres, Rondonópolis, Primavera do Leste e Barra do Bugres.



*Nome fictício para não expor a vítima.
 



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