Com tarifaço de Trump, empresas brasileiras já sentem efeitos com produção suspensa, férias coletivas e demissões.

 O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, divulgou no dia 30 de julho a lista de produtos brasileiros que seriam taxados em 40% a mais (além dos 10% já vigentes) -- e quais escapariam do aumento. O prazo para a medida entrar em vigor era de sete dias. Nesse intervalo, empresas excluídas da lista de exceções correram para tentar reverter a situação, mas não conseguiram: na quarta-feira, 6, o "tarifaço" passou a valer.

 
Com isso, intensificou-se um movimento que já havia surgido em julho, quando Trump ameaçara taxar o Brasil em 50%: paralisações, férias coletivas e até demissões em empresas -- em sua maioria pequenas e médias -- que dependem quase exclusivamente do mercado americano. Muitas têm pouca reserva financeira ou capacidade para buscar novos compradores no curto prazo. É o que mostra reportagem do Estadão.
 
A Randa, fabricante de portas e compensados com 20 anos de exportação para os EUA, é um exemplo de impacto: na sexta-feira, 8, anunciou férias coletivas escalonadas para seus 800 funcionários. Com metade da equipe em recesso, a produção foi reduzida pela metade. A empresa envia 55% de seus produtos para os Estados Unidos.
 
Em Bituruna (PR), município de 15 mil habitantes a 321 km de Curitiba, a Randa responde por 80% da economia local, considerando empregos diretos, indiretos e o movimento no comércio. Mas o tarifaço americano ameaça essa estrutura econômica inteira.
 
As férias coletivas funcionam como uma estratégia para ganhar fôlego enquanto as empresas buscam alternativas, sejam temporárias ou permanentes. Do lado paliativo, aguarda-se o pacote de auxílio do governo aos setores afetados, prometido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin para terça-feira, 12, mas ainda sem detalhes.
 
Já uma solução definitiva para a Randa dependeria da inclusão do setor na lista de exceções dos EUA --decisão que também envolve articulação do governo brasileiro. A Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente (Abimci), onde o CEO da Randa, Guilherme Ranssoli, ocupa a vice-presidência, já contratou um escritório nos EUA para assessorar o setor e dialogar com autoridades locais.
 
No entanto, o retorno dos EUA é que a solução para o setor só virá através de tratativas diretas entre Brasília e Washington.
 
Impacto também atinge setor de móveis 
O principal polo exportador de móveis do Brasil, localizado em São Bento do Sul (SC), também encontrou nas férias coletivas uma solução temporária para lidar com os efeitos do tarifaço americano. Cerca de 3 mil funcionários já foram afastados nas indústrias da região, que empregam no total 7 mil trabalhadores. A decisão veio após importadores dos Estados Unidos suspenderem seus pedidos. No ano passado, o mercado americano respondeu por 62% das vendas externas do polo, que totalizaram US$ 123,4 milhões.
 
Ao Estadão, Luiz Carlos Pimentel, presidente do Sindicato das Indústrias da Construção e do Mobiliário de São Bento do Sul (Sindusmobil), explicou que os clientes americanos começaram a segurar os embarques desde o primeiro anúncio da tarifa de 50%, em 9 de julho. A entidade representa 398 fabricantes espalhados por São Bento do Sul, Rio Negrinho e Campo Alegre. Até o momento não houve demissões, mas Pimentel afirma: "Se esse quadro for mantido e os clientes americanos não autorizarem os embarques ou não colocarem novos pedidos, deverá ter um ajuste nos quadros."
 
Enquanto isso, em Curiúva (PR), a Depinus Indústria e Comércio de Madeiras de Pinus já demitiu 23 dos seus 50 funcionários. O dono da empresa, Paulo Bot, explicou ao jornal que a medida foi necessária após a paralisação total das vendas para os EUA, que representavam cerca de 90% do faturamento da companhia, especializada em painéis e molduras de madeira reflorestada.
 
Os trabalhadores demitidos estão cumprindo aviso prévio, e a empresa mantém mais de 20 funcionários para buscar novos mercados na França, Caribe e no mercado interno, que respondem pelos 10% restantes do faturamento. Bot afirmou que, caso as tarifas sejam revertidas nos próximos 20 dias, fará a reintegração destes colaboradores.
 
Setor calçadista sofre com tarifas
O segmento calçadista é mais um dos impactados pelas tarifas impostas pelos Estados Unidos, com cerca de 80% das exportadoras consultadas pela Abicalçados relatando efeitos negativos devido à taxa adicional de 50%.
 
A Calçados Killana, de Três Coroas (RS), já recorreu a férias coletivas para parte de seus funcionários. “Com a tarifa extra, o cenário é de terra arrasada do ponto de vista de geração de negócios”, afirma Marcos Huff, diretor da empresa. “Os clientes americanos vão querer tirar a diferença no preço, e não temos margem para conseguir manter as exportações", acrescenta ele ao Estadão. 
 
A Killana, que envia 70% de sua produção para o exterior -- metade destinada aos EUA --, vinha conquistando espaço no mercado americano justamente quando a indústria local começou a se abrir para reduzir a dependência da China e de outros países asiáticos.
 
“Os Estados Unidos não têm indústria calçadista e começaram a abrir seu mercado há uns cinco anos, porque queriam depender menos da China e dos (outros) países asiáticos. É o melhor mercado do mundo e o Brasil tem grandes possibilidades de crescimento nessa área”, explica Huff, destacando que mercados como Europa já possuem seus próprios polos produtores, enquanto outras regiões não têm capacidade para atender à demanda americana.
 
Haroldo Ferreira, presidente da Abicalçados, alerta que as empresas do setor já enfrentam atrasos em negociações, queda no faturamento e até cancelamento de pedidos, incluindo alguns com produtos já fabricados ou em produção. Sem uma solução rápida, a entidade estima a perda de 8 mil empregos diretos no setor, número que pode chegar a 20 mil considerando os efeitos indiretos na cadeia produtiva. 
 
Efeitos em cadeia no agronegócio
O mel brasileiro também sofre com as tarifas. Samuel Araújo, CEO do Grupo Sama, maior produtor de mel orgânico da América do Sul, alerta para o risco de colapso na cadeia apícola do Piauí caso não haja medidas emergenciais. Com estoques acumulados e incertezas no comércio exterior, o preço pago aos produtores já caiu R$ 1,50 por quilo em poucos dias, chegando a R$ 15, e há expectativa de novas quedas.
 
Segundo Araújo, essa redução afeta diretamente a renda dos apicultores, muitos dos quais dependem exclusivamente dessa atividade. Ele também destaca o risco de o Brasil perder espaço no mercado internacional para concorrentes como Índia, Vietnã e Argentina, que enfrentam tarifas menores. “O cliente lá fora não espera, ele substitui. E quando isso acontece, a reconquista leva anos, se é que acontece. É um prejuízo estrutural”, afirma.


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