Brasil e a polarização pela iniciativa privada.

O episódio envolvendo a marca Havaianas e a atriz Fernanda Torres revela como o consumo e o marketing foram tragados pela "guerra cultural", onde até o pé com que se começa o ano vira motivo de ruptura.

O que deveria ser uma peça publicitária leve de fim de ano transformou-se, em questão de horas, em um campo de batalha ideológico. A nova campanha da Havaianas, protagonizada pela aclamada atriz Fernanda Torres, acendeu um alerta sobre o nível de fragmentação da sociedade brasileira: quando o simbolismo político sobrepõe-se à intenção comercial, o diálogo dá lugar ao boicote.

O Estopim do Conflito
No centro da polêmica está um trocadilho linguístico. Ao dizer "não quero que você comece o ano com o pé direito", Fernanda Torres brincava com a superstição popular para sugerir que o consumidor se jogasse "de corpo e alma" em 2025. No entanto, em um Brasil onde cores, gestos e palavras são monitorados sob a lupa da política, a frase foi prontamente interpretada por grupos de direita como uma afronta ideológica.
A reação foi imediata. Plataformas como X (antigo Twitter) e Instagram foram inundadas por hashtags de boicote. Para os críticos, a fala não era uma metáfora sobre intensidade, mas um "dog whistle" (apito de cachorro) — uma mensagem cifrada de oposição política.

A Reação das Marcas e o "Medo do Cancelamento"
A rapidez com que a Havaianas retirou a campanha do ar reflete o dilema das grandes corporações no cenário atual. Se por um lado a marca busca neutralidade para atingir todos os públicos, por outro, a retirada da peça foi lida por setores progressistas como uma "rendição" ao barulho das redes, gerando uma segunda onda de críticas.
Especialistas em branding alertam que esse movimento acirra ainda mais a divisão. "Quando as marcas recuam diante de interpretações distorcidas, elas acabam validando a ideia de que o consumo é um ato de guerra", afirma João Arruda, consultor de marketing digital. "Isso cria bolhas de consumo: você não compra mais o que gosta, mas o que o seu 'lado' aprova".

Um Brasil Dividido até nos Pés
O episódio não é isolado, mas sim um sintoma de um país que ainda não cicatrizou as divisões das últimas eleições. O uso de símbolos nacionais e figuras públicas em campanhas publicitárias tornou-se um campo minado.
O acirramento dessa polarização através de itens cotidianos — como um par de chinelos que é símbolo da identidade brasileira no exterior — demonstra que a "guerra cultural" migrou dos palanques para as prateleiras. Enquanto o debate se inflama, a possibilidade de um espaço comum de convivência, onde uma propaganda é apenas uma propaganda, parece cada vez mais distante no horizonte de 2025.