A banalização das escutas telefônicas
O tema das interceptações telefônicas é tão nevrálgico, tão complexo, tão em voga, como soe acontecer, no ápice dos descontentamentos no uso indiscriminado das escutas, o próprio Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes a época quando presidiu aquela Corte Maior, suscitou enfaticamente sobre a ilicitude e o mau uso do instituto. Gilmar Mendes veio a classificar naquela oportunidade de "terrorismo lamentável" e "coisa de gângster" o vazamento de informações pelas Autoridades policiais para supostamente intimidar e retaliar juízes.
De outra banda, o então Ministro da Justiça, em defesa da Polícia Federal, afirmou que a corporação não poderia figurar como única responsável por eventuais abusos em investigações de escândalos de corrupção, já que todos os mandados de busca e apreensões são autorizadas por juízes. Por isso, afirmou o Ministro, se há erros, é preciso que o Judiciário, o Executivo e o Legislativo trabalhem em conjunto para corrigi-los.
Da análise de imbróglio institucional já se pode afirmar, categoricamente, que a lei de escutas telefônicas é muito falha, permitindo que das atividades policiais e judiciárias decorram abusos.
Entretanto, denota também certo disfarce deliberado nesta discussão, pois enquanto se discute se a norma que regula as interceptações telefônicas é mal utilizada ou não, perde-se a oportunidade em colocar na pauta da discussão nacional se a lei é necessária e, se for, como proceder para que o texto constitucional que garante a inviolabilidade da vida privada possa manter-se incólume às investidas policialescas, a fim de se evitar a ocorrência de tantos desmandos e ilegalidades na manipulação da lei por parte de autoridades policiais e judiciais.
Nunca se discutiu tanto no mundo jurídico, especialmente e lamentavelmente, após o esquema de espionagem revelado nesse último domingo (14) em uma reportagem do ‘Fantástico’ dentro do setor de inteligência da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, constando uma lista de pelo menos 80 telefones grampeados ilegalmente de políticos, assessores parlamentares, servidores públicos, advogados e jornalistas.
A importância da fundamentação ultrapassa a literalidade da lei que a garante, pois reflete a liberdade, um dos bens mais sagrados que o homem pode usufruir. Observe-se que o julgador, ao expor os motivos de seu convencimento, esclarece as razões que nortearam à decisão adotada, uma vez que a inexistência da exposição dos motivos do convencimento do juiz, ou sua inadequação, vulnera a decisão, dentre outras causas, por ser passível de conter algum germe ditatorial.
Entretanto, no que toca à interceptação telefônica, o pedido da quebra da intimidade da pessoa deve ter muito mais importância, eis que está a se requerer a quebra de um preceito sagrado constitucional. Assim a autoridade policial e/ou Ministério Público, em sede de ação cautelar penal de quebra do sigilo telefônico, não podem se furtar em demonstrar o fummus bonis júris e o pericullum in mora em seu pedido, sob pena de ser indeferida a medida.
A crítica, quase que unânime, é que nos pedidos de interceptações telefônica ocorre ausência de motivação, tão necessárias nas decisões concessivas ou denegatórias de liminares, em mandado de segurança, cautelares, possessórias e ações civis públicas e/ou criminais. A fundamentação do pedido concede clareza e segurança jurídica à decisão pleiteada e deve caracterizar a superação de um período em que a liberdade foi arranhada pelo regime ditatorial e pelo Estado policialesco.
Em suma, a fundamentação é o esclarecimento jurídico e fático da razão de se pedir determinado ato, pois, assim, estar-se-á possibilitando o exame da existência ou não dos pressupostos constitucionais legitimadores da medida invasiva.
Em que pese a Lei de Interceptação Telefônica permitir que tal diligência seja feita por quinze dias, renováveis por igual período uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova (artigo 5°, Lei n. 9296/96), tal regra sequer está sendo respeitada, já que as operações policiais envolvendo escutas duram meses e anos. Ou seja, o legislador quando fixou o prazo de 15 dias e, apenas, mais 15, tomou posição clara quanto à impossibilidade de se dilatar a interceptação telefônica.
Ora, se nem o legislador permitiu que a medida instituída durasse período estendido, o que se dirá sobre o fato de Magistrados, desrespeitando o artigo 5°, da Lei n. 9296/96 que prevê apenas a interceptação por 15 dias, prorrogável por igual período, tenham permitindo que tal medida se perpetue por tantas vezes mais tempo que o permitido. A ilegalidade é manifesta.
Não só tal interpretação contraria a lei, como deixa ao alvitre e arbítrio do julgador entender pela dispensabilidade ou não da medida. Veja-se que se prestigia a violação de direitos e garantias fundamentais com o desprezo da lei.
Assim entendemos que as interceptações telefônicas como de fato ocorreu e amplamente divulgada pela imprensa nacional, fora totalmente ilegal, pois trata-se de medida de exceção e covarde, que importa grave violência ao direito fundamental da intimidade, permitindo acesso irrestrito à vida privada, inclusive em assuntos de ordem pessoal que não interessavam à investigação, sem contar que as pessoas que tiveram seus telefones grampeados de forma ilegal, abusiva, irresponsável e vergonhosa por ditas autoridades do Estado, merece toda a nossa repulsa, pois devemos única e tão somente cumprir e respeitar a legislação, nada mais.
Com a palavra o Poder Judiciário, o Ministério Público Federal/Estadual e a OAB.
JOSÉ RICARDO COSTA MARQUES CORBELINO – Advogado em Cuiabá e atual membro da Comissão de Segurança Pública da OAB/MT.




