Cuiabá e os Direitos das pessoas com deficiência
O ano de 2016 representou um marco fundamental na reafirmação dos direitos das pessoas com deficiência no país. Entrou em vigor no dia 02 de janeiro do último ano a Lei Federal nº 13.146/2015, denominada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou simplesmente Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Em linhas gerais, essa lei visa garantir e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas que apresentam qualquer impedimento de longo prazo que, em interação com uma ou mais barreiras, torna inviável a sua participação plena e efetiva na sociedade.
Restou superada, assim, a concepção de que a deficiência estava relacionada unicamente com a perda sensorial ou de um membro, privilegiando-se a adoção do critério biopsicossocial, mais abrangente e compatível com a dignidade da pessoa humana.
Por esta nova perspectiva, o conceito de deficiência está mais ligado à remoção dos obstáculos e à necessidade de promoção da igualdade, permitindo, assim, que o transtorno do espectro autista e outras síndromes saíssem da “invisibilidade” para alcançar a condição de destinatários de ações afirmativas.
A elaboração do Estatuto também representa o atendimento a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil perante a Organização das Nações Unidas, a partir da assinatura da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York).
Em razão da importância desse compromisso firmado perante a comunidade internacional, tanto a Convenção de Nova York como o seu Protocolo Facultativo foram submetidos, no Brasil, ao procedimento qualificado previsto no art. 5º, §3º, da Constituição Federal, o que lhes atribuiu status equivalente ao de emenda constitucional. Consequentemente, todas as leis e atos do Poder Público devem ser compatíveis com as disposições da Convenção e de seu Protocolo.
No entanto, não basta a mera consagração legislativa dos direitos das pessoas com deficiência. É preciso, acima de tudo, garantir a efetividade e a concretização de tais direitos. Basta lembrar que o projeto de uma sociedade brasileira livre, justa e igualitária está previsto na Constituição Federal desde 1988. Por sua vez, a Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência foi assinada no ano de 2007. Ocorre que, passados 28 anos da promulgação da “Constituição cidadã” e 10 anos da Convenção de Nova York, ainda não foi possível superar as barreiras que impedem o exercício da cidadania em igualdade de condições no Brasil.
É imprescindível, portanto, que o Poder Público, em todas as esferas, assim como os demais setores da sociedade, estejam comprometidos a fazer com que os direitos das pessoas com deficiência deixem de ser promessas legislativas e se tornem realidade.
Em Cuiabá, por exemplo, apesar de algumas conquistas e avanços, diversas ruas e avenidas ainda não dispõem de estrutura adequada para viabilizar a locomoção de pessoas que não possuem visão ou que utilizam cadeira de rodas. A dimensão estreita de calçadas, a excessiva quantia de desníveis, buracos e degraus são obstáculos comuns que prejudicam e até mesmo impedem o deslocamento de deficientes, de idosos e demais pessoas com mobilidade reduzida. Além disso, as pessoas surdas e mudas diariamente enfrentam problemas para se comunicar e realizar atividades básicas diante da insuficiência de atendentes capacitados, tanto nos órgãos públicos como em estabelecimentos privados.
Esse cenário precisa ser modificado. Conforme Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, o primeiro juiz cego do Brasil, “a deficiência está na sociedade, não nos atributos dos cidadãos que apresentem impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais. Na medida em que as sociedades removam essas barreiras culturais, tecnológicas, físicas e atitudinais, têm assegurada ou não a sua cidadania”.
Assim, a capital mato-grossense, famosa pelo seu povo acolhedor, pode se transformar em referência nacional também na inclusão e emancipação das pessoas com deficiência. A Cuiabá dos 300 anos deve ser bela e acolhedora, mas, sobretudo, inclusiva e emancipadora. Com esse objetivo, é preciso que o Poder Público e a sociedade atuem de maneira integrada para remover as barreiras e possibilitar que todos os cidadãos, deficientes ou não, desfrutem de condições adequadas para o exercício da cidadania.
Diego Guimarães é advogado licenciado, bacharel em Direito (UFMT), pós-graduado pela ESMP e mestrando em Direito (UFMT). Atualmente está Vereador na Câmara Municipal de Cuiabá.






