Polícia investiga possível esquema no CRECI-MT que dificulta registro de profissionais de outros estados.

Por: Márcia Piovesan

Nova portaria cria obstáculos para validação de diplomas externos enquanto presidente enfrenta condenação no TCU por irregularidades
Uma determinação recente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis da 19ª Região (CRECI-MT) tem gerado controvérsia no mercado imobiliário estadual. A Portaria nº 118/2025, expedida pelo atual presidente Claudecir Roque Contreira, estabelece novos critérios para o registro de profissionais formados em Técnico em Transações Imobiliárias (TTI) em outros estados, o que tem sido interpretado por entidades do setor como uma medida protecionista.
Exigências diferenciadas geram críticas
Embora a portaria se baseie em requisitos técnicos previstos na legislação nacional, como carga horária mínima, autorização formal e registro no SISTEC/MEC, representantes do setor apontam que há tratamento desigual entre diplomas de Mato Grosso e de outros estados. Enquanto instituições locais seguem o processo regular de validação, diplomas externos enfrentam exigências adicionais.
Entre os casos relatados estão situações de profissionais que, mesmo tendo cumprido as 800 horas obrigatórias em cursos autorizados, encontram dificuldades para atuar no estado quando a formação foi realizada em quatro meses, modalidade aceita em outras unidades da federação. O paradoxo torna-se ainda mais evidente quando se observa que uma instituição local, com vínculos diretos a ex-dirigentes do CRECI-MT, divulga abertamente em suas redes sociais que oferece o curso de TTI em apenas quatro meses, mas recebe tratamento diferenciado das demais instituições de fora do estado.

Vínculos institucionais suspeitos
A polêmica se intensifica ao se observar as conexões entre beneficiários potenciais da medida e ex-dirigentes do conselho. Foi identificada uma instituição de TTI sediada em Mato Grosso com ligações diretas ao ex-presidente Benedito Odário Conceição e Silva, que comandou o CRECI-MT entre 2016 e 2021 e também foi conselheiro federal do COFECI.

O sócio desta instituição é Alex Vieira Passos, atual vice-presidente e conselheiro do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso (CEE-MT). Passos foi alvo de operação da Polícia Civil em 2020, conduzida pela Delegacia Especializada de Combate à Corrupção (Deccor) e pela Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO), com apoio da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul. A investigação resultou em seu afastamento do cargo de secretário de Educação de Cuiabá.

Surge então uma questão incômoda: será que de fato a escola de Passos possui autorização do CEE-MT para ofertar o curso em quatro meses? O fato de ele ser vice-presidente e conselheiro do próprio CEE-MT não configuraria um evidente conflito de interesses? Por que o CRECI-MT aplica critérios restritivos apenas para diplomas externos, mas aceita sem questionamentos os diplomas de uma instituição cujo sócio integra o órgão que autoriza os cursos no estado?
Oficial. Esta comissão tem poderes amplos para fiscalizar escolas credenciadas, analisar documentos e "verificar a veracidade das informações divulgadas" por instituições concorrentes.

Dirigentes de outras instituições de TTI em Mato Grosso se queixam de que Passos foi estrategicamente posicionado pelo CEE-MT para ocupar essa comissão com claros interesses comerciais, podendo criar fiscalizações direcionadas contra escolas concorrentes. "É um absurdo que alguém que tem escola própria seja o responsável por fiscalizar a concorrência", protesta um dos diretores de instituição rival. "Ele pode usar essa posição para prejudicar quem compete com seu negócio", complementa outro dirigente do setor educacional em MT.

A designação de Passos para liderar uma comissão de fiscalização enquanto mantém interesses comerciais diretos no setor levanta sérias questões sobre imparcialidade e ética no CEE-MT. Como um vice-presidente do órgão regulador pode simultaneamente ser empresário do setor que regula e ainda comandar a fiscalização de seus próprios concorrentes?

Presidente condenado permanece no cargo em afronta à Justiça
A situação se torna ainda mais delicada quando se observa que Claudecir Roque Contreira, responsável pela expedição da controversa portaria, enfrenta sérios problemas junto ao Tribunal de Contas da União (TCU). Em recente decisão (Acórdão nº 740/2025), o TCU condenou Contreira por contratação irregular de 42 empregados sem concurso público durante sua gestão, aplicando-lhe multa de R$ 45.000 e inabilitação para exercer cargos públicos por cinco anos.
O mais grave é que, mesmo com a condenação e inabilitação determinadas pela mais alta corte de contas do país, Contreira permanece ocupando a presidência do CRECI-MT, continuando a expedir portarias e tomar decisões administrativas. O TCU determinou que o conselho rescinda todos os contratos irregulares em 180 dias e realize concurso público para suprir suas necessidades de pessoal, destacando que Contreira aumentou o quadro funcional da autarquia de 12 para 54 empregados, todos contratados sem processo seletivo, em flagrante desrespeito à Constituição Federal.

E o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (COFECI), comandado pelo presidente João Teodoro da Silva, órgão superior que deveria fiscalizar e intervir em situações como essa, permanece em silêncio? A manutenção de um dirigente condenado e inabilitado pelo TCU no comando de uma autarquia federal constitui uma verdadeira afronta à Justiça brasileira. Que sinal isso passa para a sociedade? Que as decisões judiciais podem ser simplesmente ignoradas quando convém aos envolvidos?

Será que esses dirigentes nunca aprendem?
A situação atual no CRECI-MT desperta uma incômoda sensação de déjà vu. Em 2011, a Polícia Federal deflagrou operação que revelou esquema similar no CRECI-PR, onde diretores usavam a estrutura da autarquia para vender cursos preparatórios em escolas que lhes pertenciam. Na ocasião, candidatos a corretores eram induzidos por funcionários do conselho a "comprar" cursos por cerca de R$ 1.000, criando a falsa impressão de que só poderiam fazer a formação naquelas instituições específicas.

O delegado Algacir Mikalovski, que conduziu a operação de 2011, destacou na época que "a concorrência era tolhida por meio de práticas ilegais realizadas por essas pessoas ligadas ao CRECI", com o agravante de que "o crime ocorria dentro de uma estrutura pública". A PF apreendeu apostilas e recibos dentro das unidades do conselho, comprovando que funcionários recebiam comissão para direcionar candidatos às escolas dos gestores
Passados 14 anos, parece que a lição não foi aprendida. Será que ninguém vai fazer nada? Por que esses dirigentes permanecem impunes, agindo como se não houvesse consequências? O padrão se repete: uso da estrutura pública para beneficiar interesses privados, criação de barreiras artificiais à concorrência e favorecimento de grupos específicos ligados aos gestores dos conselhos. É ainda mais intrigante notar que o atual presidente do COFECI, João Teodoro da Silva, é natural do Paraná e foi presidente do CRECI-PR por três mandatos consecutivos, conforme consta no site do próprio COFECI, exatamente o estado onde ocorreu o escândalo de 2011. Seria apenas coincidência o silêncio do órgão federal diante das irregularidades no CRECI-MT?

Dirigentes estão sendo monitorados
Entretanto, desta vez a situação pode ser diferente. Associações representativas e entidades de classe já estão acompanhando de perto todos os passos dos dirigentes envolvidos, documentando cada movimento e cada decisão questionável. "Eles não estão passando despercebidos", afirma um representante de entidade do setor. "Quanto mais tentam prejudicar a concorrência e os profissionais, mais estamos de olho e mais evidências coletamos."

As entidades destacam que mantêm um monitoramento constante das atividades do CRECI-MT e dos envolvidos no esquema, criando um banco de dados robusto que será fundamental para as investigações em curso. "Cada portaria, cada decisão, cada favorecimento está sendo registrado. Eles podem ter se acostumado com a impunidade, mas desta vez será diferente", garante outro dirigente associativo.

Certificação por competência rejeitada
A portaria também rejeita diplomas obtidos via certificação por competência, fundamentando-se na Portaria nº 085/2025 do COFECI. Especialistas em legislação educacional consideram esta restrição problemática, uma vez que conselhos profissionais não possuem competência para anular modalidades já reconhecidas pelo MEC ou sistemas estaduais de ensino.
Conselhos profissionais estão extrapolando suas atribuições ao criar critérios paralelos ao ordenamento nacional da educação", analisa especialista consultado pela reportagem.

Mobilização para contestar as medidas
Associações representativas de profissionais e estudantes preparam documentação para apresentar ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público Estadual (MPE-MT). O objetivo é investigar possíveis irregularidades na atuação do conselho e de instituições privadas que supostamente se beneficiam de mecanismos restritivos à concorrência.

"A estratégia parece ser limitar o registro apenas a quem estuda em MT, permitindo que instituições locais pratiquem valores elevados sem concorrência", avalia dirigente de entidade representativa. "É um esquema bem articulado envolvendo ex-dirigentes, atuais gestores e beneficiários diretos dessas medidas restritivas.

"As entidades destacam que possuem documentação probatória que será apresentada às autoridades competentes, demonstrando a existência de um possível esquema coordenado para beneficiar determinados grupos em detrimento da livre concorrência e dos direitos dos profissionais.
o presidente do CRECI-MT está sendo investigado pelo TCU por irregularidades administrativas, apareça uma portaria que beneficia pessoas ligadas aos ex-dirigentes da entidade", comenta outro profissional do setor. "É o mesmo modus operandi de 2011 no Paraná, só que agora em Mato Grosso. Parece que essa turma não tem medo das autoridades, mas estão sendo vigiados de perto desta vez."

Próximos passos
A situação permanece em desenvolvimento, com entidades mobilizadas para contestar judicialmente as medidas e cobrar maior transparência dos órgãos reguladores. O TCU já encaminhou cópia integral do processo ao Ministério Público Federal para eventual seguimento do inquérito civil público e demais providências cabíveis.

O desfecho da controvérsia pode definir importantes precedentes sobre os limites de atuação dos conselhos profissionais em relação ao sistema nacional de educação, especialmente considerando o cenário de investigações e irregularidades que envolvem a atual gestão do CRECI-MT.
As associações representativas indicam que apresentarão toda a documentação probatória às autoridades competentes nas próximas semanas, buscando não apenas a revogação da portaria controversa, mas também uma investigação mais ampla sobre as práticas administrativas e os possíveis conflitos de interesse que permeiam a gestão do conselho regional. A esperança é que, desta vez, diferentemente de 2011, as autoridades ajam com mais rigor para coibir definitivamente essas práticas abusivas no sistema dos conselhos profissionais.

Orientações para profissionais prejudicados
Para os profissionais que estão sendo prejudicados pelas novas exigências restritivas do CRECI-MT, é fundamental buscar todos os canais legais disponíveis para fazer valer seus direitos. As entidades representativas recomendam que sejam realizadas denúncias formais no Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual de Mato Grosso (MPE-MT), no Tribunal de Contas da União (TCU), no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão responsável por combater práticas que restrinjam a livre concorrência, e na Ouvidoria do COFECI.

Mesmo que o COFECI esteja inerte diante de tamanhas irregularidades, é importante acionar sua ouvidoria para que o órgão seja obrigado a dar respostas por escrito sobre sua inação diante das denúncias. Além disso, é recomendável buscar o Poder Judiciário para contestar judicialmente as medidas restritivas e garantir o cumprimento da legislação nacional de educação. "Cada denúncia formal documentada fortalece o caso e aumenta a pressão sobre os órgãos competentes para que ajam", orienta um advogado especialista em direito educacional consultado pelas entidades.

"Eles que fiquem sabendo: estamos observando cada movimento, cada decisão, cada tentativa de prejudicar a categoria. Quanto mais agirem de má-fé, mais munição estão nos dando para agir junto às autoridades competentes", finaliza um representante das entidades que acompanham o caso. 



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