Nova era no diálogo com os povos originários: Câmara Setorial da Saúde Indígena inicia ações estruturantes em Mato Grosso

CST pretende fortalecer atendimento a mais de 58 mil indígenas que ainda enfrentam graves dificuldades de acesso à saúde de média e alta complexidade

Longas viagens de barco ou horas percorrendo estradas de terra para conseguir atendimento médico. Apesar de parecer uma realidade distante, essa ainda é a rotina da maior parte dos 58 mil indígenas que vivem em Mato Grosso. Os gargalos enfrentados pelas 43 etnias distribuídas em 70 territórios revelam a urgência de ações públicas para garantir um direito constitucional: o acesso à saúde.

Com o objetivo de enfrentar essas desigualdades, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso criou, em setembro de 2025, a Câmara Setorial Temática (CST) da Saúde Indígena — um espaço político permanente e inédito no Legislativo estadual, dedicado exclusivamente à construção de soluções concretas que atendam às principais demandas dos povos originários.

O presidente da ALMT e autor do requerimento de criação da CST, deputado Max Russi, afirma que o novo fórum representa uma transformação na relação entre Parlamento e comunidades indígenas, estabelecendo um canal direto entre Legislativo e aldeias para formulação, orientação e cobrança de políticas públicas.

> “Os desafios são muitos, e talvez o mais urgente seja superar as desigualdades que ainda afetam a assistência em saúde nas aldeias. Falta estrutura, falta logística e, muitas vezes, falta integração entre os órgãos responsáveis. A Câmara tem a missão de monitorar gargalos, propor soluções e articular o Estado para que o atendimento chegue de forma eficiente, respeitando a cultura e os saberes tradicionais”, afirma Russi.

Desde sua criação, a CST já realizou intervenções práticas. Em setembro, atuou após denúncias de negligência na UPA de Primavera do Leste, onde indígenas da etnia Xavante relataram três mortes somente em 2025 por falta de atendimento adequado. Em novembro, participou do Primeiro Encontro da Juventude Boe Bororo, que reuniu mais de 600 jovens na aldeia Gomes Carneiro para debater saúde, prevenção e identidade cultural, em parceria com o DSEI Cuiabá.

A presidente da CST, Paloma Veloso, destaca que o foco central é melhorar a comunicação entre governo federal, Estado e municípios, fortalecendo principalmente a rede de média e alta complexidade.

> “Hoje, a maior parte dos casos graves é absorvida por Cuiabá, que atende mensalmente entre 315 e 350 indígenas. A CST trabalha para incluir recursos específicos na Lei Orçamentária e ampliar esse suporte”, afirma.

Gargalos persistentes

De acordo com o Plano Distrital de Saúde Indígena (2024–2027), o DSEI Cuiabá atende quase 10 mil indígenas em 231 aldeias de 23 municípios, espalhadas por um território de quase 38 mil km². São 11 polos-base e 34 UBSIs responsáveis pela atenção primária. Mas, quando o caso exige especialistas, internações ou cirurgias, começam as barreiras.

Karine Guató, liderança da aldeia Aterradinho, no Território Baía dos Guató, relata dificuldades extremas. Com 271 moradores, a comunidade dispõe apenas de uma UBS sucateada e depende exclusivamente do transporte fluvial. São até cinco horas de barco até Poconé. Para chegar a Barão de Melgaço, município responsável, a viagem pode durar um dia e meio. Em emergências, já foi necessário acionar helicópteros dos bombeiros ou pedir ajuda a pescadores e turistas.

Apesar das adversidades, Karine avalia positivamente a presença da CST nos territórios, ressaltando que o diálogo direto com o Estado abre oportunidade inédita para apresentar demandas em saúde, educação e infraestrutura.

Desafios entre estados e burocracia

O coordenador do DSEI Araguaia, Labé Kàlàriki Idjawaru Karajá, aponta outro obstáculo: a ausência de pactuação entre Mato Grosso, Goiás e Tocantins. Como o território Karajá se estende pelos três estados, muitos pacientes precisam de encaminhamento para Goiânia, Palmas ou Cuiabá, mas encontram barreiras no Cisreg, que não contempla as especificidades geográficas das aldeias.

Além da burocracia, Labé cita problemas sociais graves nas aldeias, como alcoolismo e suicídio, agravados por choques culturais e falta de políticas de saúde mental. A CESAI, responsável pela atenção primária, não dispõe de psiquiatras. O DSEI articula parcerias com o Ministério Público Federal, Funai, universidades e projetos sociais para fortalecer a juventude e prevenir casos.

O DSEI Araguaia abrange 11 municípios, com 5.505 indígenas distribuídos em 51 aldeias e 977 desaldeados. Já no Território Xingu, com 138 aldeias de 16 etnias e 8.873 habitantes, quase metade depende exclusivamente de transporte fluvial. Apenas 21,8% têm acesso terrestre ao município mais próximo.

No Alto Xingu, a jovem Hai Waura Mehinako, 21, relata que é comum esperar horas por atendimento em Gaúcha do Norte. Em alguns casos, falta transporte. Ela também denuncia precariedades nas casas de apoio e a ausência recorrente de medicamentos.

Um espaço institucional inédito

Os relatos evidenciam a urgência de políticas estruturadas e de articulação com o poder público. É nesse contexto que a CST se destaca como fórum permanente para ouvir lideranças, identificar gargalos e cobrar soluções de prefeituras, Governo do Estado, Secretaria de Saúde, CESAI e Ministério da Saúde.

> “A criação da Câmara Setorial Temática da Saúde Indígena representa um compromisso direto da Assembleia Legislativa com a proteção e a dignidade dos povos originários. Coloca a saúde indígena no centro do debate e garante voz a quem historicamente teve menos acesso”, reforça o deputado Max Russi. 



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